quarta-feira, 2 de abril de 2014

Forjando mais do que aço

Este é um assunto em que poderia passar horas - talvez dias - falando sem nem mesmo parar para respirar.

Não se trata de um título literal, aplicável num texto sobre trabalhar com outros metais ou com qualquer coisa que possa ser martelada até tomar uma forma. Não mesmo. O que quero dizer é algo mais emocional, a relação com o trabalho e com os clientes também, claro.

Sempre gostei de ver o meu tipo de trabalho como uma aproximação com um outro tempo, em que o suor valia um bocado a mais do que vale hoje. Não me refiro apenas à cutelaria, mas à qualquer atividade que envolva esmero, atenção e, por que não?, carinho. Afinal, nem todo cuteleiro enxerga a cutelaria da maneira romântica que eu tenho - e isso não é necessariamente um problema, esses tendem a se frustrar menos sendo mais racionais, acho.

De qualquer modo, para os que me conhecem, não é segredo que às vezes fico tempos longuíssimos diante da Olga - é, minha forja tem um nome mesmo - apenas observando-a. Há uma atmosfera diferente quando você tem uma forja à carvão e não me refiro às qualidades da chama. Ali nascem contos, cantos. Não se trata apenas de aço sendo empurrado ou dobrado, existe algo a mais que nenhuma definição poderia dar conta.

E daí? Eu posso soar como um lunático, eu sei. Só que eu gosto disso. E percebo que não sou o único, afinal.

Tem uns dias um novo cliente me contatou. Graças a um vídeo que um amigo colocou na internet têm surgido interessados em meus machados. Simples machados feitos com técnicas nada ortodoxas, mas que possuem aquela minha dose de suor e dedicação que os tornam únicos. Enfim, o cliente veio perguntar o preço de um desses e a história - curta, mas importante pra mim - começa aí.

Após decidirmos alguns detalhes, ele disse que tinha o interesse de manter a machadinha e um dia passá-la para seus filhos ou netos, como uma herança familiar. Um pensamento incomum nos dias de hoje, mas que compartilho. Pronto, mais um elo formado.

Decidi que faria para ele o machado com uns incrementos sem custos extras. Ele se interessou por uma faca que eu tinha disponível também e pediu um isqueiro, no qual estou trabalhando. No fim ainda ganhou um desconto.

Mas a moral da história não é apenas o relato de um "causo" de cuteleiro e sim a força que um pedaço de aço afiado passa a ter deste momento em diante. Mesmo a faca, feita por desbaste, sem toda aquela figura do ferreiro martelando um pedaço de algum metal misterioso, ganha um novo sentido. Não são apenas objetos compráveis, são histórias.

Quando dei vida ao machado hoje, não era uma ferramenta para bushcraft, mas um possível legado familiar. Eu não estava mais forjando uma machadinha e sim um emblema, um símbolo. Por isso uso a expressão "dar vida".

De toda forma, pode parecer uma historinha boba, sem importância, mas que faz com que eu me identifique com o que eu faço. Faz com que eu veja a potência do meu trabalho ou o de qualquer outro que coloca sua alma nas coisas que cria - seja uma poesia, dois acordes num violão, uma pintura ou uma machadinha para bushcraft.