segunda-feira, 18 de maio de 2015

Arod, a Valente - Seax de Rohan

Olá a todos!


Faz quase um mês que terminei essa faca e ainda olho pra ela com um orgulho de quem cumpriu um dever consigo mesmo. E ainda assim não postei nada aqui falando mais sobre essa faca que tem tanto o que ser explicado.

A levei na IV Mostra Internacional de Cutelaria, na cidade de São Paulo no final do último mês de abril e ela me rendeu a premiação de melhor faca de fantasia, ainda que tenha havido um empate com outros dois concorrentes. Mas o simples fato de ter concorrido com cuteleiros bem mais experientes e ter sido equiparado a eles já foi um bom prêmio, ainda mais quando os juízes da competição foram Jerry Fisk, James Cook e Zaza Revishvili, alguns dos mais renomados cuteleiros da contemporaneidade.


Tanto lá quanto em minha página do Facebook ou mesmo em conversas com amigos, me foi perguntado porque tomei a decisão de fazê-la como a fiz e não de qualquer outro modo, já que meu interesse era o de fazer uma lâmina baseada no universo de Tolkien.

Os Rohirim são, sem sombra de dúvidas, a cultura da Terra Média da qual eu mais gosto e isso não está de todo relacionado ao universo criado por J. R. R. Tolkien, mas também pelo fato de ser um povo muito enraizado em uma cultura real de nosso mundo. É claro que elfos, orcs e anões são inspirados em contos da Idade Média da Terra, ou que outras raças dos homens também tenham um forte apelo às organizações políticas e sociais do nosso próprio passado, mas em Rohan ocorre uma transposição mais direta, quase que se os povos germânicos que migravam por toda Europa depois do declínio de Roma tivessem, de algum modo, alcançado um mundo distante, separado do nosso e lá se estabelecido. Primeiro como os Eohted, depois como os Eorlingas. E de todos esses povos germânicos, os anglo-saxões são os mais definitivos para a idealização de uma identidade rohirim.


Tolkien, sem a menor cerimônia, usou muito da literatura saxã ao criar os homens de Rohan. A descrição do salão Meduseld é a mesma que a do Heorot de Beowulf e o início do poema recitado por Theoden é exatamente o mesmo que uma passagem do poema Eardstapa, do Codex Exoniensis, compilado por volta do século X, na Inglaterra. Isso sem contar a estrutura de poder, cultura, história, o idioma (e consequentemente os nomes próprios) usado pelo mestre para simular a língua de Rohan, que é o Inglês Antigo, falando pelos anglo-saxões. Sendo assim, eu achei que a melhor coisa a ser feita para criar uma faca rohirim seria partir de uma faca anglo-saxã. E o seax "dorso quebrado" era, de longe, a melhor opção para transmitir essa ideia.

Imaginei um seax feito para um homem com um status social alto, embora que não fosse necessariamente da linhagem de Eorl, então deveria ter uma aparência chamativa, mesmo que não fosse enfeitada com materiais mais nobres como ouro e prata. Uma lâmina feita tanto para uso cotidiano e que seria uma arma bastante útil na guerra, daí o tamanho de quase 40cm no total. E que além de arma fosse uma insígnia de poder que inspirasse seguidores e amedrontasse inimigos apenas ao ser olhada, por isso padrões e decorações que fossem indicativas de sua origem. Essas características são encontradas em lâminas feitas durante todo o medievo de nossa Terra e com certeza seriam observadas na Terra Média.


Me limitei então a técnicas conhecidas pelos anglo-saxões. O damasco da lâmina, embora não seja baseado em nenhuma seax histórica, é uma junção de padrões encontrados em lâminas germânicas do século VI ao XI (e outras anteriores e posteriores, embora não tenham sido a maior fonte de inspiração e pesquisa), a quantidade de camadas é bastante baixa, assim como eram nessas épocas, para que o padrão fosse bem discernido. O repoussé usado na bainha e no cabo também era usado pelos saxões, mas também por outros povos germânicos contemporâneos, no início do período anglo-saxão Inglês (sécs. VI-VIII).

Porém, eu não podia simplesmente aparecer com um seax cheio de inspiração histórica e dizer que era inspirado num povo fictício. Eu tinha que dar uma cara própria pra ela e para tanto tentei tomar algumas medidas que tirassem o caráter de peça conjectural saxônica para ficar clara a referência que tive.

Em primeiro lugar, o uso das cores na bainha. O verde do couro tingido e o latão, apesar de obviamente não serem exclusividade da fantasia literária, já direcionaria um pouco a leitura da peça. Outro ponto foi o excesso de curvas no cabo. Quis que o cabo lembrasse as formas do animal mais importante para os descendentes dos Eohted (literalmente "Povo do Cavalo").

Por fim, a característica que mais define uma produção artística é o próprio estilo artístico usado, mais do que técnica, forma ou material. Um estilo artístico é algo difícil de se confundir.

A arte dos primeiros povos germânicos, sem exceção, gira em torno de decorações com motivos animais. O estilo usado varia dramaticamente com região e período, mas o tema é constante. Achei que Rohan teria seu próprio estilo animal. Um estilo que, diferente de sua contraparte existente nos livros de história, fosse mais direto, mais naturalista e menos interpretativo. As razões são simples: é citado em O Senhor dos Anéis que os homens de Rohan são honestos, valentes, não conhecem a mentira e coisas do gênero. Uma arte com códigos, charadas e mensagens subliminares não seria algo muito bem visto por essa gente humilde (quase "xucra", como um cavalo selvagem). Portanto o uso de temas mais simples, com histórias mais conhecidas, diferente da arte medieval da Terra, que possuía códigos escondidos em cada elemento.


A base para os cavalos eu retirei de um boardgame de O Senhor dos Anéis e fiz algumas alterações que eu achei mais conveniente, já o sol foi algo mais simples, tentando manter a mesma linha com contrapontos entre delicadezas e áreas mais ríspidas (como um círculo grande, massivo e "chamas" pequenas, delgadas) E eu realmente pretendo desenvolver esse estilo animal para próximas peças que eu resolva fazer com o mesmo tema, e tenho diversas no papel.

Por fim, como toda boa arma, ela merecia um nome. Achei na palavra Arod uma descrição perfeita para a faca. A dica veio de um amigo que possui um vasto vocabulário de Inglês Antigo na cabeça e embora ele talvez não tenha percebido que a palavra Arod possui dois significados distintos, ambos se encaixam no resultado final.

Arod significa tanto "Bravo/Valente", como "Veloz/Ágil". E essa seax possui ambas as características.

Até o próximo post.

Forth Eorlingas!

*Mais fotos e toda a descrição técnica da faca aqui.