segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Cutelaria de lápis, borracha e papel.

Um desenho é a tradução de uma ideia em linhas, de forma que palavras jamais conseguiriam expressar, por mais palavras que fossem escritas usando tais linhas. Só que na cutelaria ou em qualquer outra forma de trabalho que não seja o desenho em si, o desenho nunca é o passo final. Ele é um embrião, uma possibilidade, um pontapé inicial.

Eu me utilizo do desenho desde antes de aprender a andar, se eu for pensar bem. Como qualquer um, aprendi a desenhar antes de aprender a escrever e eu sempre treinei o traço assim como treino a escrita e assim como treino minha martelada.

Uma coisa que gosto em particular é desenhar ideias que tenho de lâminas. Antes de começar a forjar algo é sempre bom saber onde se quer chegar e rabiscar algo numa folha de papel é sempre um bom meio de se ter uma prévia ou pelo menos um norte a seguir.

É claro que eu seria um cínico se eu dissesse que sempre sigo os desenhos à risca e tudo o mais, já que às vezes o tridimensional pede um caminho próprio e foge do original. Ou porque simplesmente opções melhores surgem durante o processo, coisas que só o suor te possibilitou pensar e que a mesa limpa e clima tranquilo do ato de desenhar jamais seriam capazes. Afinal, etapas diferentes geram ideias diferentes e acho que um bom artesão deve saber captar todas essas ideias distintas e selecionar quais realmente são boas ou quais só pareciam boas no calor do momento.

A vantagem de colocar esses pensamentos no papel é que você pode guardá-los sem se esquecer. E é uma boa forma de saber se uma coisa tem potencial ou se simplesmente ficaria horrível. É claro que tem gosto pra tudo, mas... Não.

Pra mim é importante buscar um certo realismo na hora de se desenhar uma faca ou espada ou o que quer que seja. Digo, se for um estudo para algo tridimensional, real e funcional. Não escrevo aqui sobre o desenho como forma de arte, afinal de contas, mas sim como estudo para visualizar um provável devir.

O naturalismo é essencial porque, se eu apenas fizesse linhas cruas, não veria uma faca. Poderia ver uma boa composição que sugere uma peça, mas não A peça. Por isso gosto de fazer ranhuras nas madeiras dos cabos, jogo de luz e sombra, proporções bem definidas, texturas, diferenças de força no traço... Só tenho problemas com cores. Chega um ponto que vira informação excessiva e as cores raramente farão jus às cores dos materiais, com suas nuances próprias e particularidades infinitas.

No fim eu necessito de papel e lapiseira. Eu tenho ideias demais, problema crônico. E geralmente estou ocupado demais com minhas encomendas e com trabalhos que "vão vender", que acabo fazendo de forma mecânica em boa parte das vezes. Um desenho me consome menos tempo e às vezes é o bastante para que eu controle a vontade de fugir das obrigações e começar a forjar facas que vão ficar na oficina por um tempão por falta de comprador e, por mais que eu adore a ideia de fazer esse tipo de serviço, tenho contas pra pagar.

Pra terminar, repito que desenhos são possibilidades, embriões. Eles crescem de outra maneira quando saem do papel, mas sempre possuem a forma inicial do que eu possa pensar, uma forma quase palpável. Pelo menos visualizo o trabalho antes de fazê-lo e isso diminui um pouco a ansiedade em alguns casos, mesmo que aumente em outros.